22. Meditações Lusíadas
COLECÇÃO LUSÍADA
Pinharanda Gomes
Nº 22 | 301 páginas | 2001
Formato: 160 x 230 mm
P.V.P. 17,00€
Mais informações:
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«Se o Logos encarna no Verbo, então o Logos encarna na palavra de forma que, sendo a palavra o corpo da ideia, só existe Filosofia portuguesa a partir do momento em que existe língua portuguesa. Não sabemos quando surge a língua portuguesa, nem sabemos, sequer, se esta língua portuguesa, por nós falada e escrita hoje, é a mesma língua portuguesa utilizada pelos antigos. Em todo o caso, creio haver uma consciência, uma espécie de Filosofia portuguesa a partir do século XV, quando, no ambiente da escolástica latina surge uma apetência para o recurso à língua portuguesa. De tal forma que, embora desculpando- se de o fazer, o rei D. Duarte, no Leal Conselheiro, só escreve em português. Já surge, nessa atitude de D. Duarte, uma decisão de dar à língua portuguesa uma dignidade filosófica.
Isto independentemente dos filosofemas e dos teoremas filosóficos patentes na melhor e na pior da nossa poesia dos Cancioneiros, à qual ainda não foi prestada a devida atenção hermenêutica em termos de nela inquirir o que são meras exclamações poéticas e o que são propostas de filosofemas, e mesmo teorias.
Do ponto de vista da Filosofia expressa em língua portuguesa, penso podermos situar a primeira impressão filosófica no ciclo da Casa de Avis, já na procura de uma autonomia. Assim como a espécie é um género diferenciado, assim esta Filosofia portuguesa, a partir do século XV, procura ser uma espécie do género filosófico existente.
Naquilo que se designa por Filosofia portuguesa em particular considera-se, sendo tese aceite por quase todos os pensadores, que estando o Reino de Deus garantido, o único reino que importa garantir é o reino do Homem.
Então toda a Filosofia, mesmo mantendo a sua pureza genética, acaba, de um modo ou de outro, por ser a causa primeira das construções sociais e políticas. Por isso Álvaro Ribeiro propunha e demonstrava que o último fim da Filosofia na História era a construção da sociedade política perfeita.
Se, quando um homem pensa bem tem todas as possibilidades de fazer bem, quando um homem pensa incorrectamente tem todas as possibilidades de proceder incorrectamente.
Não possuo uma visão muito clara da política portuguesa, e dos seus altos e baixos, mas quando olho para o nosso quadro de História secular parece haver, com efeito, uma simultaneidade entre as grandes épocas do pensamento filosófico e as grandes épocas do pensamento político e de acção política, e que às épocas de fraco pensamento filosófico correspondem épocas de acção política fraca.
Haja em vista o facto de a primeira grande época de pensamento português se situar no trânsito do século XV para o século XVI, florescendo então o Curso Conimbricense. Quando surge a decadência do Conimbricense ela corresponde à crise do século XVII, do século XVIII e à crise do século XIX.
À proclamação da República, embora ela não fosse proclamada pelos filósofos, pois em Portugal as mudanças têm sido, desde o século XIX, efectuadas por militares, equivaleu um período brilhante do pensamento filosófico. Trata-se de um período que podemos situar na Escola Portuense, desde o Racionalismo de Amorim Viana até ao Saudosismo da Renascença Portuguesa, tudo isto ordenado em torno do que me parece ser o fruto mais sistematizado deste movimento, o Criacionismo de Leonardo Coimbra.
O futuro a Deus pertence e às pessoas que se consideram, de alguma forma, vinculadas à Filosofia portuguesa, não fica mal empregar o nom de Deus, desde que não o façam em vão.
A nossa Filosofia tem todas as características de uma Gnose, de uma tradição de estudos. Não significa que seja, de todo em todo, esotérica e reservada apenas a alguns felizes iniciados mas, sim, que não se trata de uma tradição do domínio público. José Marinho, por exemplo, aconselhava a Filosofia no segredo, querendo dizer que o amor por ela não permite, a quem a ama, degradá-la ou “coisificá-la”.
No futuro, se a Filosofia portuguesa conseguir manter a sua pureza, se puder continuar a manter-se equidistante das instituições, permanecerá como é. De contrário servirá o Poder, degradando-se, pois Álvaro Ribeiro definiu-a como um pensamento que se encontra equidistante do Estado, da Igreja e de todas as instituições oficiais. É uma flor que cresce à beira dos caminhos».
[Excertos de entrevista com Victor Mendanha]