06. Cartas, Conferências, Discursos (…)
COLECÇÃO LUSÍADA
Leonardo Coimbra
Nº 6 | 424 páginas | 1994
Formato: 160 x 230 mm
P.V.P. 20,00€
Mais informações:
info@fundacao-lusiada.org
“Cartas, Conferências, Discursos, Entrevistas e Bibliografia Geral”
Compilação e Notas: Pinharanda Gomes e Paulo Samuel
Nota Premilinar: Pinharanda Gomes
«O que é certo e acessível é que a vida e a consciência são como uma corrente ascendente (o peso que sobe de Bergson) e a matéria, os mundos físicos, uma corrente que desce as linhas do declive para o Zero.
As duas correntes encontram-se num ponto, na encruzilhada de seus caminhos está o Homem, e eu o vejo, como o camponês no crepúsculo da minha aldeia guiando as águas que são a vida dos trigos e milheirais, no esforço heróico de erguer as águas que tombam, Atlas mais gigantesco de soerguer os mundos que rolam.
Para quê?
Porque só assim crescerá, como de encontro ao rochedo a água que deriva, a onda vital do Espírito, onda daquelas águas de que falava Cristo sobre o poço de Jacob à tristeza e à saudade da samaritana. Esse Homem é o Poeta, o Herói e o Santo.
Poeta é o que cria, não o que faz uma técnica de palavras que se usa chamar verso: o maior Poeta foi Cristo. Poeta é o sábio que visiona o fazer do mundo das almas ou o desfazer do mundo dos corpos.
Visão a que o mundo de fantasmas dantescos de Einstein dá um retoque.
O Herói é o Poeta da acção; a acção é o Verbo feito Cristo: quer-se dizer corpo de sacrifício, incêndio de Amor – assim os que ardem pela Pátria, pela Humanidade ou por Deus.
O Santo é o Herói constante, candeia de azeite em todos os lares, em vez de Farol iluminando uma só Pátria, ou uma só humanidade. O Herói coincide com o Santo quando se põe a arder de puro amor de Deus…
Mas que tem com tudo isto a imprensa, perguntarão V. Exas., sobretudo os que contaminados estejam do triste mal da morte de só abrirem ouvidos à banalidade. Tem tudo, meus senhores.
Pois se ela é, até no dizer dos conselheiros, a alavanca do progresso, se o progresso é já agora o caminho da liberdade das almas, o seu cósmico caminho para Deus, não há-de a imprensa servir a corrente que tomba para a Morte, ou que se exalta para a Vida, sendo assim boa ou má, digna do nosso amor ou da execração?
Não quero saber se a imprensa gostaria mais dos meus ditirambos sem condições; sirvo ou pretendo servir a Verdade e não quero, em mim, ofender a Vida, mentindo.
A imprensa será a companheira melhor de nossas almas, quando compreendendo a sua missão vá na onda de espiritualização da Vida; será o nosso veneno quotidiano quando servir a degradação natural da vida dos mundos físicos e dos valores espirituais.
Sem glórias refulgentes, na maior humildade das letras, ela é a sentinela de todos os dias à vida que passa, para nela merecer o que ensina e fica; então o seu heroísmo é como o heroísmo material que é permanente regaço e amparo para os que precisam crescer para a vida.
Ela tem de marcar os valores, e se confunde e troca e nos põe Santo Antero abaixo de Tomás Ribeiro, fez um serviço à morte contra a vida, confundindo os que trabalham para matar o tempo com os que sabem que o tempo só é vivo quando nele tocamos a eternidade que o domina.
Claro que, como corpos deslocados num fluido, voltarão por suas densidades psíquicas a retomar seus lugares, mas perdeu-se tempo, lançou-se confusão, aumentou-se, em suma, o pecado que atravessa os mundos e as almas.
Aos jornalistas que assim pensam, que sentem que nos mais humildes serviços de pena está presente a sua inteira responsabilidade moral e metafísica dentro da Vida e perante Deus, que é o próprio Espírito excedente e criador, eu beijo as mãos puras e sagradas; aos outros, não cantarei lisonjas para que me abram as portas de celebridade, porque a imortalidade do presente só interessa aos parvos, porque a mentira só pode encontrar abertos os lábios dos cegos da alma.
O herói é o relâmpago que passa, deixando fulgurações de beleza a estremecer no éter e a cinza morta da matéria requeimada.
Soltai um relâmpago no interior de um laboratório, e ele é a faísca que faz estremecer um mar de luz morrendo a banhar as praias de todos os mundos e ele é, no quarto em que nasceu, a poeira da matéria volatilizada.
Assim são os heróis e a sua obra é a Civilização.
A Civilização, dizíamos há dias, comentando um grande filósofo cristão, é a alma humana impressa e expressa nas coisas.
O gesto que a insculpe tanto pode ser o rodopiar do montante de Nun’Álvares, como o estremecer do coração de Camões abrindo em viva cratera a própria voz da Pátria cantando, como o voo das nossas asas prolongando o sonho de Camões até à altura do verdadeiro Adamastor, que, terminando os mares, se alçava terrível nos ares escurecidos contra os novos Prometeus do esforço humano.
Esses gestos que insculpem as almas lusíadas no próprio seio do Infinito é que são o que de vida espiritual contactou a história, modelando a natureza à impressão e expressão da alma ansiosa que busca para além das coisas e dos mundos a sua própria Fonte criadora.
Foi esta civilização a que fizeram os portugueses: em todo o planeta a alma lusíada esculpiu o seu ansioso mármore de saudade.
Se quiséssemos agora olhar de outro lado, do lado cinza, poeira, matéria vil, diremos que foi a cobiça comercial tentando os mercados de todo o planeta e dirão de nós que foi a cobiça material de transportarmos mais eficazmente, por exemplo o nosso vinho verde, que vos ergueu na glória.
Esses, é claro, não podem ver e às toupeiras não iremos exigir que enfrentem o dardejar do Sol.
Os que escreveram, a pegadas de sangue e murmúrios de orações, o nome de Portugal em todo o planeta iam mais de olhos fitos em Deus que presos da vil cobiça dos homens.
Esses, os que fizeram a nossa Civilização de que Os Lusíadas são cântico de espuma, salgadas oitavas do mar erguido pela proa das nossas caravelas.
Desses sois os legítimos herdeiros e representantes, mas herdeiro honrado, que não quer herdar o peso morto dum trabalho feito, mas sim o entusiasmo que, tendo criado uma riqueza, só a conserva, aumentando-a.»